Quando a utilização de uma tese tributária pode gerar um processo criminal?

Autor: Marcos V. D. Carrasco - OAB/SP 450.365 (18 de Janeiro de 2022)

Creio que a melhor forma de iniciar este artigo é dizendo que no Brasil o exercício de atividade empresarial é, sobretudo, um ato de resiliência e coragem; e sem dúvida, qualquer pessoa que já a exerceu ou exerce, concordará com essa afirmação.

Isto porque, além da constante pressão interna que é gerada pelas mais variadas adversidades (falta de ânimo dos colaboradores, ausência de mão de obra qualificada, elevada rotatividade de funcionários, impasses com clientes e fornecedores, etc.), o empresário ainda tem que lidar com pressões externas decorrentes da atuação de seus concorrentes, das oscilações mercadológicas e da atividade dos órgãos públicos de fiscalização.

Aliás, neste último ponto, ainda que a regra seja a existência de servidores públicos vocacionados, que atuam com o escopo de salvaguardar interesses coletivos, sem, no entanto, olvidar da necessidade de corroborar para a perpetuação da atividade empresarial (principal geradora e distribuidora de renda do país), não são raros os relatos de empresários que tiveram o exercício de sua atividade dificultado e até mesmo impedido por conta de atos arbitrários e desproporcionais praticados, por exemplo, por órgãos de fiscalização ambiental e tributária.

A propósito, talvez seja justamente na esfera tributária que se situe o maior desafio do empresário.

Digo-lhes isto, pois creio que não trago novidade alguma ao afirmar que em nosso país, além de a carga tributária ser altíssima, as numerosas normas que regulamentam a tributação estão longe de poderem ser consideradas simples e completas.

Justamente por conta disto (imprecisão e vagueza normativa), é comum que as empresas lancem mãos das chamadas teses tributárias, que nada mais são do que interpretações normativas dotadas de potencial para reduzir o montante que, de praxe, teriam que recolher aos cofres públicos a título de um ou outro tributo.

Inclusive, a prática em questão é tão recorrente, que a empresa que dela não se vale, dificilmente consegue trazer preços competitivos para o mercado de consumo.

O que ocorre, é que no emprego incauto desta medida (completamente lícita), há um risco grave: o risco de o empresário ser criminalmente responsabilizado por sonegação.

Não. Você não entendeu errado. Ainda que a “tese” seja construída a partir de uma interpretação razoável da legislação tributária, a forma como ela é utilizada pode acabar desencadeando a responsabilização criminal do empresário pela prática de sonegação.

Afirmo isto, porque a redação que foi conferida aos tipos penais que tratam deste crime (a exemplo do art. 1º da Lei 8.137/90) é aberta ao ponto de não ser equivocado sustentar que, no Brasil, a sonegação se caracteriza por meio de qualquer comportamento doloso, omissivo ou comissivo, praticado com o desígnio de reduzir total ou parcialmente a prestação tributária.

Assim sendo, para que a tese tributária não crie margem para o advento de uma ação penal, o empresário deve, sempre que possível, evitar a sua simples utilização administrativa, pois ainda que esta medida seja mais célere, ela não lhe confere a mesma segurança que pode ser alcançada com o acionamento das vias judiciais.

Dito de uma forma mais simples, o que busquei esclarecer no parágrafo precedente, é que, no momento em que passa a deter uma decisão judicial que reconhece (ainda que em sede de tutela antecipada) o direito de a sua empresa reduzir a sua carga tributária com o emprego de determinada tese, o empresário deixa de correr o risco de ser criminalmente processado por sonegação, afinal, como se sabe: não pratica crime algum aquele que age no exercício regular de um direito!

O Brasil é o único país do mundo que criminaliza o empresário por buscar a redução da carga tributária de sua empresa dentro de um espaço normativo razoável. Por isso, é de bom tom que a eventual utilização administrativa de “teses tributárias” seja sempre precedida de uma análise jurídica voltada para delimitar se há ou não o risco de a tese acabar lançando o empresário na posição de réu de um processo criminal.