O ano mal começou e as notícias já não são boas para o segmento empresarial!
Acredito que todos saibam (ou que pelos, em algum momento, ouviram falar), que no ano de 2009 o Supremo Tribunal Federal (STF) editou a Súmula Vinculante n. 24 (que, mais tarde, inspirou a modificação do art. 83 da Lei 9.430/96, pela Lei n. 12.350/10).
Em termos simples, esta súmula passou a impedir que nos crimes materiais de sonegação, a investigação criminal e/ou a ação penal fossem iniciadas antes de realizada a constituição definitiva do débito tributário (que, diga-se de passagem, ocorre com o encerramento do procedimento administrativo fiscal).
Esta súmula foi editada, pelo fato de se ter compreendido que somente após o exaurimento dos debates administrativos (ou seja: após ter sido oportunizado, ao contribuinte, o efetivo exercício administrativo dos seus direitos constitucionais de contraditório e de ampla defesa), é que se poderia afirmar se, de fato, houve alguma supressão ou redução de tributos.
A lógica aqui é bastante simples: se ao final do processo administrativo, o contribuinte demonstrar que nada é devido, não se poderá falar em sonegação; ao revés, se restar evidenciada a existência de valores a recolher, outrora reduzidos ou suprimidos através do emprego de atos fraudulentos, caracterizada estará o crime.
No entanto, recentemente, foi divulgada a informação de que o STF pautou para o mês de março deste ano, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de n. 4980.
Nesta ADI, a Procuradoria-Geral da República (PGR) busca derrubar o obstáculo que foi criado pelo art. 83 da Lei n. 9.430/96 (com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 12.350/10), que como vimos, foi inspirado pela Súmula Vinculante n. 24, a fim de permitir que a investigação criminal e a ação penal por crimes de sonegação possam ser iniciadas antes do encerramento do processo administrativo fiscal.
Na prática, isto significa que se a PGR lograr êxito em sua pretensão, invariavelmente nos depararemos com um número incomensurável de novos inquéritos e/ou ações penais voltados para apurar a “prática” do crime em questão; e disto não tenho dúvidas!
Digo-lhes isto, primeiramente, porque é justamente na esfera administrativa que grande parte das autuações detentoras de potencial para deflagrar uma investigação ou ação penal acaba sendo obstaculizada; mas isto, normalmente, só ocorre em grau recursal e via de consequência, se eliminados os óbices normativos e sumulares que aqui já foram mencionados, perderemos um filtro importantíssimo que hoje reduz drasticamente o número de inquéritos e processos que são levados ao conhecimento das autoridades policiais e judiciárias.
Sob outra perspectiva, sustento que ocorrerá um aumento de investigações e processos criminais porque infelizmente, no âmbito dos crimes tributários, a esfera penal costuma ser utilizada para: (1) desestimular debates jurídicos a respeito do (des)acerto de uma autuação fiscal; e (2) agilizar a captação de recursos para os cofres públicos. Afinal de contas, quem, na iminência de ser investigado ou criminalmente processado, não se sentirá estimulado a deixar de lado uma discussão administrativa ou judicial de um tributo para aderir à um parcelamento ou realizar o pagamento de um tributo?
Costuma-se dizer que as normas que regem um ordenamento jurídico passam por um ciclo vicioso de evolução e involução, e, na hipótese de a ADI n. 4980 vir a ser julgada procedente, certamente retrocederemos anos em relação as conquistas que já obtivemos em relação ao respeito do debate jurídico e das liberdades (isso sem falar nos prejuízos que serão desencadeados para a busca pela célere atuação dos órgãos da persecução penal – que atrairão para si, o ônus iniciar a apuração de fatos que sequer terão sido definitivamente examinados pela esfera administrativa fiscal).