Posso ser processado por sonegação após ter deixado de ser sócio da empresa?

Autor: Marcos V. D. Carrasco - OAB/SP 450.365 (11 de Janeiro de 2022)

É bem verdade que em nosso país, a delimitação do responsável pela prática do crime de sonegação costuma partir da análise do contrato social da empresa ou de outro documento equivalente.

E o raciocínio que se adota para o emprego deste procedimento é simples: na condição de sócio, o empresário, teoricamente, não só detém o controle final das operações de sua empresa, como também tende a ser o maior “beneficiado” com eventuais sonegações, afinal, os valores não recolhidos aos cofres públicos, costumam ser revertidos direta ou indiretamente, em seu benefício, seja através de eventual divisão de lucros, seja através da utilização de tais recursos como medida de potencialização de fluxo de caixa ou da ampliação estrutural de seu empreendimento.

Com efeito, no momento em que uma sonegação é detectada e o débito tributário é definitivamente constituído, a investigação criminal acaba sendo deflagrada com enfoque no(s) sócio(s) da empresa.

No entanto, a determinação do sócio que responderá por tal ato, não se dá ao lume do quadro societário ostentado pela empresa ao tempo em que o débito tributário se constituiu ou no momento em que os atos investigativos se iniciaram. Ela se dá a partir da determinação da identidade dos sócios que figuravam no contrato social no momento em que foram praticados os atos caracterizadores da sonegação.

Isto significa, por exemplo, que se determinada empresa pertencente aos empresários “A” e “B”, suprimiu tributos mediante a omissão de informações de renda e declaração falsa à autoridade fazendária no ano de 2010, teve o débito subjacente àqueles fatos constituído apenas no ano de 2015 e alterou completamente o seu quadro societário no ano de 2016 (com a saída dos empresários “A” e “B” e o ingresso de “C” e “D”), eventual investigação criminal, pelos fatos ocorridos em 2010,  não será deflagrada contra os sócios atuais da sobredita pessoa jurídica, mas sim contra os empresários “A” e “B”, que por ela eram responsáveis ao tempo dos fatos (ou seja: em 2010).

Por outras palavras, o que estou buscando esclarecer, é que pouco importa quais alterações foram realizadas no contrato social da empresa ao longo dos anos. A responsabilização criminal, como regra, será deflagrada em desfavor daqueles que figuravam no contrato social da empresa ao tempo em que os atos viabilizadores da sonegação fiscal foram praticados, afinal, ainda que a responsabilidade civil pelos atos da empresa possa ser transferida, a responsabilidade criminal é sempre personalíssima.

Mas atenção caros leitores! Neste artigo, discorri apenas sobre a possibilidade de determinada pessoa ser criminalmente processada pelo crime de sonegação após ter deixado de ser sócia da empresa. A questão concernente a possibilidade de condenação, é outro assunto, que tratarei em um artigo futuro!