Há alguns anos, o Superior Tribunal de Justiça se dedicou a examinar se a ausência de repasse de ICMS poderia desencadear a caracterização do crime que se encontra definido no art. 2º da Lei 8.137/90.
Apenas para ilustrar, até aquele momento, as turmas do STJ se dividiam a respeito da intepretação que deveria ser conferida à tais situações, pois, diante da ausência de repasse do ICMS:
(1) a sexta turma defendia que, em se tratando de ICMS devido em Operações Próprias (ICMS-OP), haveria um mero inadimplemento fiscal (penalmente irrelevante); ao passo que, nos casos de ICMS Substituição Tributária (ICMS-ST), haveria crime de apropriação indébita;
(2) a quinta turma sustentava que, independentemente de ser devido por força de Operações Própria ou em virtude de Substituição Tributária, a ausência de repasse do tributo em apreço caracterizaria o tipo previsto no art. 2º, II da lei 8.137/90.
A toda sorte, os embates “finais” daquela corte, a respeito de tal questão, foram travados no âmbito do HC 399.109/SC, onde, pela relevância da matéria, diversos juristas se habilitaram, a fim de externalizar suas considerações técnicas a respeito do caso.
Para o bem ou para o mal, perante o STJ, a ausência de repasse do ICMS (OP e ST) foi considerada crime (art. 2º, II, da Lei 8.137/90); e, mais tarde, também o Supremo Tribunal Federal acabou endossando tal conclusão (RHC 163.334).
Com isso, multiplicaram-se pelo país os procedimentos investigativos e os processos criminais voltados para elucidar a prática do crime em apreço. E os motivos disto não poderiam ser mais óbvios: a ameaça de prisão é um excelente estímulo para a regularização da dívida e o consequente abastecimento dos cofres públicos (isso sem falar, é claro, no estabelecimento de uma concorrência mais leal, no mercado de consumo – de praxe, quem não se preocupa com a carga tributária, consegue praticar melhores preços).
No entanto, pouco tempo após estes eventos, nos deparamos com o advento da pandemia de COVID-19; e se a saúde financeira de muitas empresas já não ia bem, com a pandemia, não foram poucos os empresários que tiveram que fechar suas portas ou que realocar suas prioridades financeiras para se manter operando.
Justamente por conta disto tudo, é que surge a questão: se a empresa, assolada por uma crise financeira, deixa de realizar o pagamento do ICMS (OP ou ST), para priorizar o pagamento de seus funcionários e fornecedores e, via de consequência, se manter no mercado, o seu sócio, ainda assim, responderá pelo crime previsto no art. 2º, II da lei 8.137/90?
A resposta aqui, a princípio, é negativa.
Digo-lhes isto, porque a responsabilização pela infração penal exige que se constate a existência de um efetivo dolo de apropriação do valor e de um comportamento contumaz do devedor.
Isso significa, que se a empresa deixar de realizar o adimplemento do ICMS ao longo de alguns poucos meses, em virtude de uma crise financeira, tal fato, por si só, não terá (ou pelo menos não deverá ter) o condão de deflagrar a apuração da responsabilidade criminal de seu(s) sócio(s).
Ao revés, se for constatado que, apesar de sua dificuldade financeira, a empresa já vinha se valendo da ausência de repasse de ICMS como estratégia de negócios, abrir-se-ão as portas para a formalização de uma investigação ou de um processo criminal.